A vida vegetal e seus modos de ação

A suposta carência de movimento das plantas, frente à mobilidade animal, já foi apontada como responsável pela consolidação tardia de uma antropologia vegetal. Na contramão dos parâmetros zoocêntricos, esta sessão aposta nas interações de cultivo, extração e manipulação agrícola como meio de revelar dinâmicas próprias aos vegetais. A partir de quatro pesquisas em contextos variados, busca-se demonstrar como as etnografias com vegetais podem nos fornecer outros modelos de ação técnica, além de ampliar as possibilidades de tomada de forma pela vida.

Nurit Bensusan (ISA)

Coordenadora
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O Ritmo e o fluxo: contribuições para uma antropologia das plantas a partir de estudos sobre a seringueira

Em um contexto de crescente interesse antropológico pelas interações entre humanos e plantas, as etnografias sobre a heveicultura e o agroextrativismo amazônico abrem um caminho muito rico de reflexões. A seringueira (Hevea brasiliensis) é uma árvore amazônica que há cerca de um século e meio fornece à indústria um material insubstituível, a borracha natural. Seja no extrativismo ou nas plantações, cultivadores e seringueiros estabelecem relações complexas com as árvores.

Colocando em diálogo etnografia e historiografia das relações com a seringueira, por um lado, e literatura da antropologia da técnica e dos estudos sobre relações humano-vegetal, por outro, pretendo explorar o potencial das categorias de ritmo e fluxo como articuladoras de análises do mundo vegetal.

Interessa aqui considerar diferentes níveis ou escalas. Desde fluxos internos aos organismos vegetais até processos orgânicos e/ou técnicos que mediam a fluidez de materiais deles emanados. Seria possível pensar também em outras escalas de fluidez, como o fluxo de trabalhadores em torno da produção vegetal. O ritmo, por sua vez, como nos lembra Leroi-Gourhan, é criador de espaço e tempo, mas também de forma. Na interação com o mundo vegetal, talvez não seja exagerado dizer que os ritmos são criadores também de fluxos.

Diálogos Vegetais

Essa reflexão parte do conceito de técnica de Emunuel Coccia – técnica como “algo que os viventes utilizam para estreitar relações com outras espécies”. Por esse caminho analítico pretendo escapar do campo semântico de domesticação, enquanto controle e dependência reprodutiva, para explorar como algumas populações indígenas desenvovem técnicas, que são, antes, modos de comunicação e afetação (recíproca) com suas plantas. Partindo de materias etnográficos que se voltam as relações que determinados povos ameríndios estabelecem com seus roçados, pretendo explorar a técnica como forma de relação e comunicação entre humanos e vegetais em um denso produzir de vida. Vida aqui entendida como produção continua de diferenciação e, portanto, em um diálogo com a teoria da evolução que pode nos levar a compreender a técnica para além do domínio humano.

Do Natural ao Sintético: técnicas de manipulação e transformação da vida vegetal

Essa comunicação pretende refletir sobre diferentes técnicas de manipulação e transformação da vida vegetal. A partir de dois materiais etnográficos bastante distintos, direciono a atenção, de um lado, para as técnicas de manipulação da espécie castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa) por meio da experiência etnográfica envolvendo a comunidade de castanheiros do rio Iratapuru, localizada na divisa dos estados do Pará e Amapá, Brasil. De outro lado, reflito sobre técnicas desenvolvidas pela biologia sintética na manipulação e fabricação laboratorial da menta (Mentha arvensis ou cornmint), no Manchester Institute of biotechnology, localizado na cidade de Manchester, UK. A comparação desses dois materiais possibilitam refletir sobre a complexidade de técnicas que envolvem a manipulação da vida vegetal, algumas de suas  conseqüências, e sobre como as categorias natural/cultural e natural/artificial são mobilizadas e problematizadas no âmbito de cada uma dessas técnicas.

A goma, a batata e o pão – sobre transformações vegetais na Amazônia indígena

Obtida pela decantação de líquidos extraídos de massas lavadas e filtradas, a fécula, popularmente conhecida como “goma”, é um elemento estrutural e um dos principais ingredientes dos saberes e da culinária indígenas. Técnica hoje voltada quase que exclusivamente para a mandioca, ela foi intensamente empregada no passado para o beneficiamento de raízes, tubérculos e frutos silvestres. Dentre estas plantas, sobressai a batata mairá (Casimirela sp), uma gigante feculosa amplamente utilizada pelos grupos indígenas. A goma está presente ainda na constituição do pão-de-índio, uma técnica de armazenamento de massas vegetais no solo. Este trabalho pretende explorar a presença destes três elementos como elos de conexão dos sistemas de processamento e conhecimentos indígenas entre o passado e o presente na Amazônia, suscitando ainda um debate sobre as noções de coleta, agricultura e, em última instância, da familiarização dos humanos com as espécies vegetais fora do alcance do clássico conceito de domesticação.

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*Todas as atividades serão públicas e gratuitas. Links serão disponibilizados antecipadamente.
**Sessões de Trabalho em português e espanhol.